13.12.07

Memórias



O programa “Em Reportagem” transmitido hoje na RTP1 levou-me a interiorizar esta inquietante dúvida: como será estar preso(a) numa cadeia rodeado(a) de reclusos (as)?

Um dia, também eu já estive PRESO.

Há 32 anos e alguns meses atrás, deambulava eu pelas ruas de Luanda a pé, quando uma patrulha da Polícia Militar (PM) parou o Jeep ao meu lado. O mais graduado (um Cabo) saltou para o chão, fez-me a continência e pediu-me para subir para a viatura. Estava detido.

Motivo invocado: o uso de sapatos civis com a farda militar. Ainda hoje estou para perceber se os distintos PM’s eram especializados em calçado ou se usaram binóculos para detectarem a desconformidade.

A minha primeira reacção não podia ter corrido pior. Tentei convencê-los a fecharem os olhos, afinal a infracção não era assim tão grave. Como não fui bem sucedido passei à fase seguinte: a tentativa de suborno. Lembro-me de lhes ter acenado com 50$00 para beberem umas cervejas e esquecerem o incidente. Nada feito. Os homens eram íntegros e as ameaças subiram de tom. Subi para a viatura.

O contratempo seguinte verificou-se com a impossibilidade legal de me levarem dali preso sem a presença de um militar com patente igual ou superior à minha. Meia hora depois chegou o competente polícia militar e lá fui conduzido ao quartel da PM que distava menos de um quilómetro do meu.

Permaneci aí cerca de duas horas sem que me fosse dada qualquer informação sobre o que me esperava. Quando já desesperava vejo entrar na sala dois militares da minha companhia que me vinham buscar. Tinham recebido instruções nesse sentido.

Para meu espanto, a história não tinha ainda terminado. O oficial da PM informou os meus dois companheiros que eu estava ali na condição de detido e assim iria continuar até trocar de sapatos. A solução mais óbvia passava por eu ser novamente conduzido na qualidade de prisioneiro até ao meu quartel, e para isso, os meus acompanhantes teriam de vir armados (bastava uma simples pistola) o que não era o caso.

Meia hora depois chegou a minha escolta. Desta vez já eram seis… e todos armados até aos dentes! Eram pistolas, espingardas, granadas… todo o armamento individual que lhes tinha sido distribuído! Um autêntico arsenal de guerra para me levarem dali. Cheguei a temer que me levassem algemado. Felizmente que nenhum deles se lembrou disso.

Nesse dia senti-me o prisioneiro mais importante do meu país.

E pronto, esta foi a minha primeira, e espero que a última, experiência como prisioneiro. Menos de um mês depois estava de volta a casa e com a caderneta militar limpa. Nenhum averbamento.

Analogias:

Pinto da Costa exigiu ao Estado uma indemnização de 50.000 euros, alegando ter sido detido ilegalmente e invocando ter sofrido um tratamento «vexatório aplicado pelas autoridades» e «danos elevados na sua imagem» durante as três horas e cinco minutos em que esteve detido.

MFQ